Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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domingo, 4 de fevereiro de 2018

O terceiro Balão do Arsenal - sonho do Comandante Estácio dos Reis foi concretizado



Lisboa passou a ter um novo marcador de tempo colectivo - foi "ressuscitado" o Balão da Hora ou Balão do Arsenal, que no final do século XIX e início do século XX serviu para transmitir a hora em terra aos navios fundeados no Tejo. Ao mesmo tempo, serviu também para que os alfacinhas, durante décadas, acertassem, por ele, à uma hora da tarde, os seus relógios.

Agora, uma reedição do ribeirinho Balão passa a estar disponível para lisboetas e turistas (mais estes do que aqueles, sinal dos tempos...) recordando o sítio onde esteve o primitivo, adstrito ao Observatório de Marinha que então existiu na zona (entre o Cais do Sodré e o Arsenal).

Sobre o Balão da Hora escrevemos recorrentemente ao longo dos últimos 20 anos, nomeadamente em obras como "História do Tempo em Portugal" ou "Tempo e Poder em Lisboa". Mas pode também passar os olhos pelo que dissemos sobre o assunto aqui ou aqui.


(foto FCO)


(foto FCO)

A ideia de trazer até hoje a memória do Balão do Arsenal, com a colocação na zona de um memorial e de uma réplica, partiu no final de 2009 do Comandante Estácio dos Reis, oficial de marinha e investigador, autoridade em instrumentação naval e autor do mais completo trabalho até hoje feito sobre o Observatório Real de Marinha, génese do futuro Observatório Astronómico de Lisboa (este, na Tapada da Ajuda).

Sobre a apresentação do livro dedicado ao Observatório, pode ler mais aqui.


A capa do livro de Estácio dos Reis é um pormenor de uma marinha de João Pedroso, com uma vista invulgar do Arsenal da Marinha de Lisboa, e no qual se reconhece um balão da hora. Segundo Paulo Santos, um especialista na obra de João Pedroso Gomes da Silva, um dos melhores marinhistas portugueses do séc. XIX, o quadro terá sido pintado entre 1860 e 1865, o que faz dele um testemunho único desse primeiro Balão da Hora de Lisboa. A obra do pintor foi pormenorizadamente tratada em 2004 em livro de Paulo Santos – A Marinha, Lisboa e o Tejo na Obra de João Pedroso – mas o quadro onde aparece o balão não foi incluído, porque era até então desconhecido.

Iconograficamente, continua a ser, até hoje, a única imagem que conhecemos sobre o primeiro Balão do Arsenal. Leia mais aqui.


Entre a guarita e a chaminé, um mastro, com uma bola - o primeiro Balão do Arsenal. Em baixo, a marinha de João Pedroso, na íntegra.



Em cima e em baixo, o segundo Balão da Hora


Sobre o Balão, recordemos um dos textos que escrevemos:

O Diário do Governo de 9 de Novembro de 1858 publicava a seguinte nota da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar: “Achando-se actualmente colocado no plano do meridiano do Observatório Astronómico da Marinha o seu instrumento de passagens, anuncia-se a bem do serviço de cronómetros da marinha de guerra e mercante, e dos relógios públicos e particulares desta capital, que da data do presente anúncio em diante se indicará todos os dias no referido Observatório, por meio da rápida queda de um balão, o rigoroso instante em que a pêndula do mesmo Observatório marcar exactamente uma hora média”.

E acrescentava a nota: “Para os observadores não cansarem a sua atenção adverte-se, que um quarto de hora antes da uma hora média subirá o balão a meio mastro, cinco minutos antes da referida hora elevar-se-á até ao tope, e quando no Observatório a pêndula do tempo médio marcar rigorosamente o momento da uma hora média cairá o balão rapidamente”.

E quando o céu estivesse nublado e não fosse possível marcar a passagem do Sol pelo seu zénite em Lisboa? Pois a nota acautela: “Nos dias em que o estado da atmosfera não permitir que se observem as passagens meridianas do Sol com o instrumento de passagens, o Observatório não se responsabiliza então por alguma pequena diferença que a pêndula do tempo médio (aliás muito boa) possa por qualquer causa ter sofrido na sua marcha diurna desde o último dia em que se observou a passagem meridiana do Sol”

Este sinal horário estava assente no terraço do Observatório Real da Marinha, na altura e até à sua extinção em 1874, situado no Arsenal, na zona ribeirinha entre o Terreiro do Paço e o Cais do Sodré.

O primeiro engenho, classificado, por exemplo, pelo vice-almirante Augusto Ramos da Costa de “irrisório balão, manejado por uma corda”, terá sido alvo da troça e do descrédito de alfacinhas e forasteiros, dado que a sua hora nunca batia certo. O objectivo do sinal horário era, antes de mais, servir de parâmetro fiável para os cronómetros de marinha dos barcos que aportavam ou zarpavam do porto de Lisboa, mas o descalabro era tal que muitos almanaques náuticos ingleses e franceses publicaram na altura notas de crítica aos sinais emitidos por Lisboa, que não mereciam a mínima confiança.

Atentas a esta “vergonha nacional”, as autoridades substituem o primeiro balão por um outro, mais sofisticado, a 15 de Agosto de 1885. O novo aparelho foi construído sob a direcção do oficial da Armada e engenheiro hidrógrafo Fredrico Augusto Oom (1830-1890), primeiro director do Real Observatório Astronómico de Lisboa (Tapada da Ajuda).

No seu conjunto, o segundo Balão do Arsenal formava uma curiosa obra de engenharia, erguendo-se “a jusante do dique do Arsenal da Marinha e no cunhal sueste do extremo Oeste avançado deste estabelecimento”, e permitia dar a conhecer a “hora oficial” de Lisboa. Agora, não só os habitantes da capital tinham ali um método mais seguro de, diariamente, acertarem as suas “cebolas”, como os navios podiam com mais fiabilidade acertar os seus cronómetros e “congelar” o tempo de terra quando zarpavam, conseguindo assim um elemento básico e precioso para o achamento em alto mar da longitude onde se encontravam.

O mastro do Balão do Arsenal media sete metros de altura e o balão propriamente dito, pintado de preto, tinha um metro de diâmetro e pesava quase 24 quilos. Cinco minutos antes da hora subia até meio mastro, nos três últimos minutos subia até ao topo e caía automaticamente à uma hora precisa de tempo médio oficial. Tudo isto era possível porque a torre estava ligada por fio eléctrico ao Observatório da Ajuda, de que distava cerca de quatro quilómetros. Por outras palavras, era através da observação do zénite na Ajuda que o balão se movimentava.

Segundo relatos coevos, logo que ocorria a queda do balão, faziam-se ouvir os apitos das embarcações ancoradas no Tejo, “manifestação que correspondia a um grito de festa, com que, por momentos, a cidade se animava”.

O Balão do Arsenal deu o seu derradeiro sinal à uma hora do dia 31 de Dezembro de 1915.

No incêndio que destruiu por completo a Sala do Risco do Arsenal da Marinha, ocorrido a 18 de Abril de 1916, a torre e o mastro do balão escaparam às chamas, mas o primitivo balão que se encontrava como peça de museu naquela sala, desapareceu para sempre.

O Balão do Arsenal foi substituído na sua missão de fornecer o tempo em terra às embarcações fundeadas no Tejo com o novo sistema de tempo em rede montado com o edifício da Hora Legal, ao Cais do Sodré (ligado ele também ao Observatório da Ajuda), e através de rede semafórica (luminosa) ao longo da costa, até Belém. Sobre o relógio da Hora Legal, pode ler mais aqui. Ou aqui.




Aspecto do incêndio de 1916, vendo-se ao fundo o Balão, aparentemente intacto. Mas, tal como o primeiro Balão, levou sumiço.


Gravura com um balão da hora adstrito ao Observatório Astronómico da Escola Politécnica, sobranceiro ao Jardim Botânico.

No final do século XIX, funcionou durante algum tempo no Observatório da Escola Politécnica, em Lisboa, o serviço da “hora oficial”, com uma meridiana e um canhão a ela adstrito a disparar à uma da tarde. Mas a acuidade do sistema era pouca e os lisboetas não se fiavam lá muito nele. “Os que ainda se lembram deste sinal horário, sabem que ele enchia toda a cidade e fazia estar alerta os cidadãos que se jactavam da chamada ‘pontualidade inglesa’. Servia de fulcro às mais alegres anedotas correntes de boca em boca e preenchia os serões familiares, dando os mais divertidos temas aos folhetinistas jocosos da época”, refere Mário Costa nas suas “Duas Curiosidades...”. O canhão e a meridiana passariam depois para o Jardim de São Pedro de Alcântara, onde ficaram ainda algum tempo, sendo depois retirados.


Balão da Hora em Nova Iorque, no final do século XIX


Balão da Hora do Observatório Real de Marinha de Espanha, entidade que superintende sobre a Hora Legal no país. Veja mais aqui. (Fotos Fernando Correia de Oliveira)




O terceiro Balão do Arsenal (fotos Fernando Correia de Oliveira)



Liga-nos ao Comandante Estácio dos Reis uma amizade iniciada no princípio da última década do século XX. Com a sua conhecida generosidade, Estácio dos Reis colocou ao nosso dispor o seu vasto e sólido saber em múltiplas ocasiões. Na foto, em Maio de 2005, aquando de uma comunicação que fizemos na Academia de Ciências sobre um Manuscrito Anónimo que encontrámos naquela instituição e o problema da Longitude no mar. Estácio dos Reis, o primeiro à direita, fez a introdução à comunicação. Leia mais aqui.


Comandante Estácio dos Reis e Fernando Correia de Oliveira

Estácio dos Reis foi homenageado pela Marinha em Setembro de 2012. Nas fotos, em cima e em baixo, em Novembro de 2013, aquando da apresentação das suas Memórias, a última vez que estivemos com o Comandante Estácio dos Reis. O seu sonho de perpetuar a lembrança do Balão do Arsenal e do papel da Marinha na marcação do Tempo foi concretizado.




4 comentários:

Carlos Caria disse...

Olá viva boas tardes,
Muito obrigado por mais esta lição de história da nossa Lisboa.
Bam haja pela transmissão dos seus conhecimentos.
Cordiais cumprimentos.
Carlos Caria

Luís Silva Nunes disse...

Muito interessante e útil.
Cumprimentos,
Luís Silva Nunes

José Cruz disse...

Tive o prazer de ter assistido à inauguração deste 3º Balão do Arsenal, no passado dia 5, abrilhantada pela Banda da Armada e com a presença do Chefe do Estado Maior da Armada.

José Cruz disse...

Tive o prazer de ter assistido à inauguração deste 3º Balão do Arsenal no passado dia 5, abrilhantada pela Banda da Armada e com a presença do Chefe do Estado Maior da Armada.